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kalil morais

O Guerreiro Dragao

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Cronicas de Bêma

 

livro 1

 

O Guerreiro Dragão

 

Prologo

Capitulo 1

 

vou postando os demais aqui

 

podem me enviar feedback aqui ou por email kalil@farmartins.com

 

msn:kalilmorais@gmail.com

 

 

 

 

Prólogo

 

 

Não se sabe bem de onde veio, nem ao certo como tudo se deu, narro aqui fatos e relatos que consegui colher acerca do acontecimento histórico mais importante e terrível da historia do mundo de Bêma, esmiuçarei, em breves linhas, mais de vinte terríveis anos de historia, da ascensão a queda de Ógko, o mais poderoso mago que já viveu.

 

Sobre seu nascimento e vida, pouco se tem registro, sabe-se que nascera filho de nobres magos, embora nada se saiba sobre a identidade destes, uma vez que toda a documentação sobre sua origem fora destruída, supostamente pelos próprios pais, a fim de esconder a vergonha, a verdade, porém, só poderia ser esclarecida pelos magos sobreviventes, mas estes preferem mantê-lá em sigilo e negam-se a revelar os detalhes de como tudo ocorreu, o mesmo fazem no que diz respeito a ascensão do mago negro, de forma que o conhecimento descrito aqui foi conseguido através de relatos de testemunhas e dos poucos documentos sobreviventes, encontrados sobre os eventos.

 

Tudo se deu a pouco mais de vinte anos, Ógko assumiu o cargo de supremo conselheiro na extinta Naós, outrora cidade capital de todo o mundo de Bêma, a cidade mais rica de todo o planeta, com suas ruas belíssimas, e seu castelo de cristal, local onde ficava localizada a biblioteca de Xenos, segundo a lenda era esse o nome da primeira cidade dos homens, a biblioteca era assim chamada, por contar com o maior acervo de conhecimento de todo o mundo.

 

Ser o supremo conselheiro era a mais alta honra, cabida somente ao mais poderoso mago do conselho, mas também era o maior fardo de todos, cabia a ele a palavra final sobre todas as decisões. De inicio, sob a liderança de Ógko o mundo prosperou como nunca, as plantações cresciam a olhos vistos em todos os campos, por um período que não e possível precisar, não houve uma só guerra em toda Bêma, mas após uma expedição nas ruínas de uma antiga civilização, encontrada logo abaixo de Uruk, a cidade comercial, Ógko nunca mais foi o mesmo. Embora as pesquisas aparentemente em nada resultassem, pois tudo encontrado na ruína era tão antigo que não se podia decifrar, nem mesmo Ógko, com a ajuda do conselho, havia obtido êxito na tarefa. As escavações foram então paralisadas, e todo o material colhido, exposto no castelo de cristal. Mas Ógko não havia desistido, estava decidido a entender e dominar aquele antigo conhecimento, ele parecia até possesso, viajou todo o mundo em busca de informação sobre a misteriosa ruína, ausentou-se varias vezes, e por varias semanas, sem dar noticias a Naós, começou a faltar com suas responsabilidades como Supremo Conselheiro.

Há exatos vinte anos, segundo os registros encontrados no que sobrou da câmara dos conselheiros de Naós, Ógko, em audiência com todos os membros do conselho dos magos, autodenominou-se Magus Tenebrarum, titulo dado ao personagem mais perverso de toda a mitologia Bêmaniana, segundo os relatos folclóricos, era o próprio mal encarnado, o mago negro, como era chamado, exigiu apoio total de todos os magos, alegando estar fazendo o necessário para salvar Bêma.

Iniciou abertamente a pratica de magia negra, magia que ia contra o fluxo natural das coisas, não respeitava mais nem a vida e nem, tão pouco, a morte, por conta de tais atos, após decisão unânime de todos os magos, foi expulso de Naós e destituído de sua função de supremo conselheiro, antes, no entanto jurou destruir completamente o castelo de cristal, juramente este, cumprido anos mais tarde.

 

Após sua saída, viajou além da fronteira das terras livres de Bêma, e adentrou em regiões sombrias, o que lá fez ninguém pode ao certo dizer, mas especulasse que aprimorou ainda mais a sua magia proibida, de fato, o que se sabe é que após isso surgiram relatos de vilas inteiras destruídas nas regiões fronteiriças a terra maldita. Um rumor terrível pairava sobre toda Bêma, por toda conto ouvia-se historias sobre o exército de Damnaret, exército este, que segundo a mitologia, era formado por guerreiros mortos e criaturas demoníacas, a marcha dos mortos e malditos, e segundo os mesmos rumores, era liderado por ninguém menos que Ógko, embora a essa altura fosse apenas conhecido como O Mago Negro.

Após isso a carnificina se intensificou por toda Bêma, povos de todas as raças viviam no terror, senão eram atacados pelo exército de Damnaret, eram atacados por outros povos, sedentos de fome, ou mesmo por medo. A antiga união entra as raças que vigorara em Bêma estava perdida, as criaturas mágicas afastaram-se para as florestas e fecharam-se, os anões enterram-se em suas minas, e aos homens sobrou apenas construir novas muralhas na van esperança de sobreviver. Mas isso de nada adiantou frente ao exército de malditos.

 

Varias resistências foram formadas, não pensem que Bêma apenas fugia e implorava, vários bravos guerreiros morreram em empreitadas militares, visando a destruição do mago, até algumas celebres vitorias foram alcançadas, porém os exércitos de Bêma sofriam terríveis baixas, enquanto o de Ógko só crescia, e o povo estava cada vez mais entregue a desesperança, o mago negro por sua vez, parecia intocável , imortal e invencível, após muitos anos de sangrentas batalhas, quando fazia dez anos da expulsão de Ógko da cidade de Naós, do conselho, e aparentemente, também da condição de ser humano, o exército negro chegou as portas de Naós, a mais forte cidade de todas as nações Bêmianas.

Mesmo para o exército de Damnaret, adentrar nos portões de Naós não foi tarefa fácil, o cerco durou longos cinco anos, Naós era protegida, não só pelo maior exército do mundo, como também pelo conselho dos magos, formado apenas pela elite destes. O exército de Ógko executava investidas diárias contra a cidade capital, e esta fazia o que podia para resistir, no entanto o resultado da batalha sempre foi claro, a cada novo dia os magos estavam mais enfraquecidos, suas barreiras menos eficazes, a cada baixa do exército dos homens, dali levantava-se um maldito, a derrota de Naós era, portanto, mera questão de tempo.

Naós contava com a elite de generais do mundo livre, esta era formada pelos mais fortes guerreiros de toda Bêma, esses homens possuíam forca e destreza incomum, havia até quem os julgasse magos, mas muitos afirmam que estes eram ainda mais poderosos, no entanto não há registros da identidade destes homens, e nem do que lhes ocorreu de fato, tudo que sabe-se é que estes não estavam presentes no fatídico dia que o castelo de cristal caiu.

No entanto Naós não caiu por ter esvaído todas as forcas na defesa contra Ógko, como já esperado, não, o ataque iniciou-se de dentro para fora, não se sabe como, mas havia entre os membros mais nobres do conselho dos magos, ou dos generais, um traidor, pois não pode-se imaginar de que outra forma Ógko teria conseguido passar as barreiras mágicas que lhe seguraram fora por cinco anos. A cidade foi dizimada pelas mãos do próprio mago negro, e este, não fez prisioneiros. Com a tomada de Naós, única frente militar ainda de pé no mundo livre, Ógko intitulou-se o imperador de todo o mundo.

Nos cinco anos que se seguiram ate a queda de Ógko, pouco se sabe, uma vez que o mundo livre não possuía mais nenhuma exército que pudesse fazer frente a marcha negra. No entanto muitas milícias ainda existiam, algumas procuravam apenas sobreviver a espera de algum milagre, outras dedicavam-se a proteção do povo, agora governado sobre o julgo de Ógko, mas haviam ainda aquelas que ousavam atacar, dessas porém não há relatos mais precisos, pois todas sem exceção falharam.

O povo vivia oprimido, eram todos praticamente escravos, eram obrigados a construir armas para o exército, sediam quase toda a colheita de suas fazendas, para alimentar os malditos, não havia liberdade e nem direitos de nenhum tipo, foi o tempo mais negro que se tem registro em Bêma, não parecia haver nenhum sinal de esperança que pudesse mudar essa situação.

Ógko não estava satisfeito com suas conquistas, havia, já algum tempo, tomado a cidade de Uruk, o que tornou a troca de noticias ainda mais difícil, sem o mercado mais movimentado do mundo, cercou toda a cidade em muralhas que pareciam feitas de carne, carne ainda viva segundo relatos dos que viviam na região, e tinham que entregar armas e fardos de alimentos nos portões da cidade, a ninguém era permitido entrar, e o que acontecia dentro daqueles muros é ainda hoje um mistério, embora se diga que Ógko havia derrubado a cidade para desencavar a tal ruína misteriosa.

 

A situação estava definida, embora aos homens não fosse possível saber o que se passava com os povos mágicos, se viviam ou não, e nem tampouco com os anões, a desesperança se reforçava pelo fato, de já há anos, não haver insurgido nem uma ofensiva significativa sequer contra o exercito de Damnaret, nem a nova capital de Bêma, Limina, a cidade maldita, erguida sobre o centro de Uruk. No entanto, em um dia sem nada de especial, sem que nada fosse ouvido, acabou. Os primeiros a perceberem a queda do mago negro foram os antigos moradores de Uruk, que agora habitavam a área em torno de Limina, segundo relatos a curiosidade destes foi despertada pelo sumiço da camada maldita que recobria as muralhas de Limina, a tal muralha que parecia viva. Mesmo diante de tal fato ninguém ousou forçar a entrada pelos portões da cidade, mesmo quando findou o dia, ainda sem nenhum dos malditos ser visto, mesmo assim o medo imperou sobre todos eles, mas boatos sonhadores sobre o fim daqueles dias malditos já começavam a espalhar-se.

 

Apenas na manhã do terceiro dia, surgiu no horizonte à figura de um pequeno exército de homens, diferia de uma milícia apenas por trajarem as antigas armaduras que um dia representaram o exército de Uruk, era Fortis, filho do rei deposto de Uruk, Lucem, acompanhando pelo General de Armas de seu pai, um homem gigante de nome Patter, este explicou ao povo, que após a derrota do exercito do rei, este conseguira escapar levando alguns bravos guerreiros, e a seu filho, e que daquele dia em diante vagou por Bêma buscando reunir homens para enfrentar novamente o maldito, no entanto a busca foi van, e Lucem acabou morrendo de uma misteriosa doença, Fortis então decidiu rumar a Uruk para libertar seu povo, ou morrer na tentativa.

Explicou que sempre encontravam no caminho pequenas hordas de malditos, os quais tinham que eliminar, o que causava baixas entre seu já reduzido exército, mas que estranhamente, nos ultimas três dias, nenhum maldito havia cruzado caminho com eles.Fortis por sua vez acelerou passo rumo a Uruk, e agora ali se encontrava, pediu a quem pudesse lutar que se juntasse a ele, e a quem não podia, retirar-se nas cavernas próximas, e separou um pequeno contingente para seguir com os desprotegidos, em sua maioria mulheres e crianças.

Com seu reduzido exército Fortis tombou os portões de Limina, sem encontrar defesa por parte de nenhum maldito, encontrou uma Uruk destroçada, havia poucos locais não destruídos, mas não havia resquício de que ali houvesse antes qualquer ser habitando a cidade, a única construção feita por Ógko, seu castelo, estava em ruínas. Adentraram neste, com extrema cautela, e avançaram devagar, mas em nenhum momento encontraram com demônios ou criaturas malditas, ao fim chegaram à sala do trono, e para surpresa de todos que presenciaram a cena, ali jazia o corpo morto de Ógko, o mago negro, o maldito, seu coração perfurado, possivelmente um golpe de espada, mas não havia sinal algum do autor do tal magnífico feito.

 

Ainda neste dia a tropa foi dividida em grupos menores, e Limina, agora novamente Uruk, foi totalmente vasculhada, não foi encontrado ninguém, nem homem, nem criatura, e as ruínas que antes encontravam-se próximas da praça central, estavam agora completamente soterradas, Fortis jurou para si mesmo, jamais desencavá-las.

Os anos passaram e a ordem começou a retornar a Bêma, a comunicação com os povos esta sendo reconstruída aos poucos, e a ferida no coração de todos começara a sarar, mas apenas os anos amenizarão a dor no coração de todos. Em meio ao povo surgiu um novo rumor, que Ógko havia sido derrubado pelo guerreiro dragão, embora ninguém soubesse afirmar ou provar isto, assim à derrota de Ógko, envolta de mistério, tornou-se um conto folclórico, cantado todos os anos na comemoração do dia de sua queda, tendo sempre o misterioso guerreiro como herói.

 

Testis Diluculo, Historiador, Biblioteca de Uruk

 

Ano quatro, depois da queda de Ógko, Magus Tenebrarum.

 

 

Capitulo 1 – O Guerreiro Dragão

 

 

Diante das luzes espalhadas por toda a cidade e da beleza que se vê pelas ruas, todas extremamente enfeitadas, jamais alguém acreditaria que essa cidade era aquela mesma daquele dia fatídico em que o mago negro caiu, logo ali, próximo desse local, naquela irreconhecível Uruk, agora cheia de vida e de cor, naquele dia era negra e vermelha do sangue dos inocentes mortos. Alias só não acreditaria quem teve a sorte de não vê-la, naqueles dias, quando ainda abrigava o trono daquele que se foi, e que se o mundo permitir jamais tornara a andar entre os vivos.

 

A imagem tão dissonante do hoje, com o passado, cinco anos atrás somente, longe de entristecer Ággelo, o deixava muito feliz, gostava de vê-la, vê que o mundo havia se reerguido, que a vida novamente aflorou mesmo depois de tudo que aconteceu. Reforçava sempre em sua mente a idéia da impermanência das coisas, que mesmo a pior das situações porventura sempre a de mudar, e o ciclo continuara sem fim, mesmo quando ele próprio não for mais do que um lembrança em um tempo já a muito esquecido, isso lhe dava forças para lutar e crescer sempre mesmo quando....

 

Ággelo for despertado de seu devaneio pelos gritos enfurecidos da bela Hôsanná, garçonete da taberna em que o mesmo trabalha a mais famosa de toda a região, o ninho da coruja.

 

Ággelooooo , de novo olhando para o nada? Até parece que não tens trabalho pra fazer! Sabes bem que depois da festa de hoje a noite a taberna vai encher até não caber mais ninguém, e que tu deves pintar toda a frente e depois limpar toda a área!! Se o “Pai” te pega vagabundiando ele te mata! – Gritou Hôsanná enquanto puxava Ággelo pelas orelhas

 

Visto desse ângulo, e pela aparência jovial de Ággelo, poderia pensar-se tratar de um jovem casal de namorados, Hôsanná com não mais que seus 20 anos, e Ággelo aparentando talvez até menos idade que ela, no entanto a idade de Ággelo era desconhecida de todos ali, Hôsanná bem sabia que ele era mais velho que ela, pois quando o mesmo veio morar e trabalhar na taverna quando ela ainda era apenas menina, com 15 anos, ele já aparentava ser exatamente como hoje é, estranhamente, do ponto de vista dela, jamais envelhecera um dia sequer.

 

Larga-me , largaaaa – Disse Ággelo , com misto de riso e seriedade

 

Já vou Hôsanná, sei o que tenho de fazer ta! – colocou ele, se desprendendo do puxão da moça

 

Sabes é? Sabes mas não faz não é? Pelo menos não antes de eu te ameaçar, toda vez, o que te é tão interessante no meio da rua, rua é rua, não te entendo , passa horas olhando para rua como se fosse algo interessante, cuida e vai trabalhar! – Bradou Hôsanná

 

Já vou , já vou! – Colocou Ággelo já saindo em direção ao deposito para pegar as ferramentas de pintura

 

A taverna “o ninho da coruja” era muitíssimo freqüentada, todo tempo um entra e sai de pessoas, sejam as da cidade, ou os viajantes, ela tinha desde clientes fiéis até jovens curiosos que agora saindo das fraldas procuravam ver as belas mulheres que lá trabalhavam. Embora todas as atendentes do lugar fossem mulheres, todas muito belas, poucos eram os que atentavam contra elas, sejam em palavras ou com gestos, isso porque todos conheciam o dono do lugar, o homem conhecido como o “Pai”.

 

O “Pai” devia ter, se pouco, dois metros e meio de altura, e o que tinha de alto, tinha também de forte, lembrava mais um grande urso, e metia muito medo e respeito nos freqüentadores do local, mas embora ele realmente jogasse alguns fregueses janela a fora, às vezes, quando ousavam mexer com suas meninas, o que as pessoas de fora da taverna não sabiam, é que ele na verdade tinha um grande coração, realmente um homem bondoso e gentil, Ággelo sabia que a pessoa mais temível do local era na verdade a filha do taberneiro, a jovem Hôsanná, essa sim era feroz como só um animal selvagem poderia ser, embora Ággelo a quisesse bem como a uma irmã.

 

Isso mesmo Ággelo, faz direito , não quero ver nenhuma mancha de tinta no chão! - Bradou Hôsanná com sua voz zangada

 

Não faz meu pai se arrepender de te acolher aquele dia , cinco anos atrás hein! – colocou ela, se retirando para o interior da taverna

 

Havia todo um clima diferente em Uruk hoje, talvez pela data, ou talvez pelo tal visitante que a cidade iria receber, difícil dizer, mas a cidade parecia ainda mais viva do que já era normalmente, o fluxo de pessoas era intensa, alem também das diferentes classes, cores e raças. Havia desde homens de alta classe, em seus comboios carregados por escravos, até magos com vestes sujas como quem nunca viu sabão, a gnomos com barris de cerveja e até pode-se ver de relance elfos com seus magníficos arcos, na certa a serviço de algum rei.

 

Nos dias que se seguiram a queda do mago negro era difícil ver ainda algum elfo, se eles ainda existiam era difícil dizer, talvez alguns poucos a beira da extinção, ou mesmo muitos em alguma de suas cidades reclusas no meio das florestas mais densas. No entanto, só podia-se afirmar que alguns eram vistos esporadicamente naquela cidade, mas sem jamais se ater com bobagens ou mesmo parar em alguma taberna, a divertir-se, pareciam sempre em alguma missão importantíssima.

 

São uns arrogantes, esses elfos , isso que são ! Afirmou Hôsanná com convicção ao ver que Ággelo os observava ao longe

 

Terminaste teu serviço ?- perguntou ela

 

Sim, já terminei, já limpei, e já guardei, e sobre os elfos nada sei – riu Ággelo imitando a pose seria de Hôsanná

 

Hum, parece que pelo menos quando fazes o serviço, sabes realmente fazer, a pintura ficou belíssima como sempre, não sei de onde tu tira a inspiração para esses teus desenhos – disse ela com sinceridade, olhando a pintura de Ággelo, que retratava a batalha de dois dragões sobe o gelo, era tão detalhada que parecia mais ter vida própria, não seria surpresa se eles pulassem para fora e continuassem a terrível batalha lá mesmo, pensou ela, de tão real que a pintura parecia.

 

Ággelo deu de ombros e entrou na taverna, encontro-se, logo que entrou, com o gigante urso que todos chamavam de o “Pai”

 

Yup, bom dia “pai”! – disse Ággelo

 

Dia! – disse o gigante com uma voz gentil

 

Terminaste a pintura que te pedi? Lembra-se que hoje é noite de casa cheia, Põe os archotes em torno da frente pra iluminar bem a arte- colocou o “Pai”

 

Terminei sim, e já deixei os archotes de prontidão à espera da noite – respondeu Ággelo

 

Muito bom, muito bom – disse o pai se dirigindo ao centro do salão da taverna

 

Boa tarde meus amigos! – disse se voltando as pessoas que já enchiam parcialmente a taverna mesmo sendo ainda cedo da tarde

 

Como todos devem saber, hoje a noite teremos a comemoração da libertação do mundo do julgo daquele que vocês bem sabem, o destruidor, e não só isso, hoje teremos a honra de receber também aquele que nos salvou- disse o pai com a voz solene de discurso

 

Será uma honra para muitos, incluindo eu, conhecer finalmente o famoso salvador do nosso mundo, o guerreiro dragão – finalizou ele ainda mais formal, parecia ter uma diminuta lagrima escorrendo daquela face gigante

 

Peço, então, que estejamos todos nos presentes na praça do centro, logo ao cair da noite para recebê-lo e honrá-lo como se deve! – finalizou o “pai” se retirando para os fundos da taverna

 

Ággelo olhava a cena com um olhar abobalhado, pensando em como seriam esse tal “Herói” e como seria a parada que acompanharia sua chegada, antes porém que pudesse pôr-se a imaginá-la foi interrompido pelos murmúrios de diversas conversas nas mesas do bar

 

Até onde sei, ninguém sabe quem realmente é esse guerreiro – disse um anão em um canto da mesa para outro guerreiro de aspecto sujo ao seu lado

 

Pelo que ouvi falar ele é um semi-deus, guerreiro imortal e invencível- colocou o guerreiro sujo, com ar de solenidade, como quem fala de algo santo.

 

Bobagem- bradou o anão

 

Se fosse tão poderoso por que demorara longos vinte anos para derrubar o tirano que oprimia todo o povo do mundo livre? Por que permitira todo aquele derramamento de sangue? – finalizou ele, visivelmente enfurecido

 

Conversas semelhantes a estas davam-se por todas as mesas, pois de fato, tudo que sabia-se acerca disso, era que há cinco anos, naquela mesmíssima cidade, então conhecida como Limina, a cidade maldita, o mago negro foi morto e seu castelo destruído, concluindo o seu reinado de terror. Mas parecia que ninguém sabia mais que isso, de forma que surgiram os mais distintos folclores em torno do evento, desde a vitória do lendário guerreiro dragão sobre o destruidor, até versões aonde o mesmo arrependera-se e tornará-se um monge, sendo que esta ultima era a menos crível, tendo em vista o terrível homem que o mago era e tudo que fez.

 

Mesmo que ninguém soubesse bem quem havia finalizado aquela batalha, o fato e que ninguém ousaria perder a chance de descobrir e ver esse famoso guerreiro pessoalmente, e ninguém que pudesse mover-se naquele dia, perderia a tal comemoração, de forma que quando a noite caiu, a cidade inteira parecia estar presente no centro, uma grande praça com uma estátua de algum rei famoso, de um passado já muito distante que fora recuperada e recolocada no centro, o tal rei era de fato imponente e bonito, segurando na mão uma espada longa, quase do tamanho de uma lança. Atenção de Ággelo foi atraída para o céu, onde explodiam ruidosamente fogos de todas as cores e tipos, um espetáculo ainda mais bonito que o do ano anterior, foi ouvido o som de trompas ao fim dos fogos, anunciando a aproximação da comitiva real e do famoso herói que ninguém sabia quem era.

 

Você ouviu as trompas, eles já vão entrar lá naquele portão – apontou Hôsanná para a maior entrada das muralhas da cidade que estava aberta, excitada com todo o movimento e ansiosa para ver tudo.

 

Ra Ra Ra – ria animadamente o “Pai” pondo um jovem garoto que tentava ver alem da multidão, saltitando em vão, em seu ombro para que pudesse enxergar acima desta.

 

Vem cá, aqui tu poderá ver tudo pivete – disse o “pai” com sua voz gentil e sorrindo

 

Ta-ta – respondeu o garoto, pálido, com medo da gigante figura. Mas uma vez no ombro do “pai” esqueceu-se de tudo para observar a grande parada que se iniciou.

 

Milhares de pessoas vestidas das maneiras mais diferentes começaram a entrar pelo portão, algo como um show de acrobacias e malabares se seguiu, deviam ser de terras distantes, pois se vestiam e tinha traços muito diferentes das pessoas de Uruk, a procissão se seguiu alternando as mais diversas atrações, animais selvagens, artistas performáticas, danças de diversos tipos, danças essas que tinham mulheres que moviam-se de maneira muito diferente das de lá, usando vestes esvoaçantes e muitos lenços, que retiravam aos poucos.

 

Após algo em torno de trinta minutos foi possível ver ao longe o fim daquela corrente de pessoas, ao final de tudo vinha uma grande comitiva de guardas, todos vestidos em uniformes de gala e armaduras decorativas, eles flanqueavam um grupo no centro por todas as direções, protegendo-os de uma eventual ameaça. Estava claro que no centro daquela comitiva viria o rei de Uruk, Fortis, ultimo herdeiro do trono, trono este o qual fora deposto seu pai, ainda na época da grande guerra, por Ógko, na invasão a cidade já há mais dez anos atrás, seu pai faleceu antes de ver a luz de um novo tempo, e ele líder de um dos exércitos rebeldes viveu para retomar o trono após a queda do império negro.

 

Ággelo forçou a vista, e conseguiu discernir, logo ao lado do rei, um homem grande e robusto, luzindo em uma armadura, a que tudo indicava, totalmente de ouro e ornamentos. O homem era grande, tinha uns dois metros de altura, e a armadura o engrandecia ainda mais, não era possível ver seu rosto, pois trazia na face um grande elmo em forma de dragão, com olhos de rubi, e nas costas uma grande espada, quase do tamanho do mesmo, e da largura da cabeça de um homem adulto.

 

Até aquele momento, Ággelo vinha rindo e se divertindo muito, mas a visão ao longe, daquele homem pareceu, levar-lhe embora o bom humor, Hôsanná logo percebeu:

 

O que se passa Ággelo? Por que essa cara feia? – inquiriu ela em tom de interrogatório

 

Não, não é nada – respondeu ele, sem muita convicção

 

O que se passa crianças? Por Que não estão aproveitando a festa? O rei já vai subir no grande palanque com o guerreiro dragão vejam – disse o “pai” com seu tom habitual

 

Era verdade, a comitiva já havia chegado até lá, o rei e as demais autoridades com ele , estavam agora se posicionando sobre um grande palanque no centro da praça, que fazia às vezes tanto de lugar de honra, quanto de palco, logo em frente onde se davam as apresentações de outras comitivas de artistas contratadas pelo rei para animar o evento. Ao lado do rei encontrava-se o gigante guerreiro dragão, suposto salvador do mundo.

 

As festas se seguiram com as mais diversas apresentações de trupes de artistas de todas as partes do mundo livre. Sem que ninguém reparasse o jovem garoto, que descerá das costas do “pai”, e já havia sumido no meio das pessoas, na certa para aproximar-se mais do evento, o que decidiu fazer também os jovens ali reunidos.

 

Vamos chegar mais perto do palco – Chamou Hôsanná

 

Ho Ho , vamos. Vamos sim, minha querida – Respondeu animado o “pai”

 

Ággelo nada disse, mas se aproximou com os demais, estava anormalmente introspectivo, ainda mais do que o habitual, não tirava os olhos do tal guerreiro, e de sua espada gigantesca. Hôsanná desconfiada perguntou:

 

Ággelo, você conhece aquele senhor? Você esta estranho não tira os olhos dele, por que?

 

Não, não conheço não – Respondeu Ággelo com pouca convicção

 

Estou apenas avaliando ele, errr, vendo se é possível mesmo alguém como ele ter salvo todos – Disse tentando justificar-se

 

Hum, ele parece muito forte, tem uma linda armadura em forma de dragão, e uma espada que parece matar um dragão com um único golpe – disse Hôsanná decidida

 

Hum, você nunca viu um dragão Hôsanná não sabe do que é capaz! – disse Ággelo com claro aborrecimento no rosto

 

E você já viu não é espertalhão ? – inquiriu Hôsanná

 

Não. Não. Claro que não, como poderia ter visto? Não diga bobagens! – Disse Ággelo tentando se justificar

 

Dragões é um ser místico, e extremamente poderoso, logo não pode ser derrotado por um único golpe de espada, sua tola, nem por muitos! – disse com um tom que não lhe era habitual

 

E como você pode saber disso? Se você e só um pintor que não tem aonde cair morto – colocou Hôsanná com tom zombeteiro

 

Você esta é com inveja, isso e despeito, porque você não chega aos pés de um homem como aquele! – disse Hôsanná, tentando provocar ainda mais Ággelo

 

Esse apenas deu de ombros, aquela conversa estava encerrada. As apresentações se seguiram até o momento que o rei levantou-se no palanque e iniciou o habitual discurso da comemoração daquele dia celebre:

 

Boa noite irmãos e irmãs de Uruk é com prazer que venho aqui essa noite lhes falar mais uma vez! – Disse o Rei, iniciando seu habitual discurso anual

 

Apontar o quanto a vida tem melhorado a cada ano desde o fim daquela guerra sem sentido, é desnecessário, para ver a melhora basta abrir os olhos. Para lhes falar o quanto crescemos, o quanto a cidade se desenvolveu, tudo isso vocês, o meu povo, já sabe e vive todos os dias. – Apontou o Rei com um tom choroso na voz

 

Portanto, o que eu gostaria mesmo de lhes falar é, que pela primeira vez nessa grande festa anual, teremos a chance de ver de perto, e agradecer, a esse homem, que foi responsável por tudo isso, por transformar a Uruk de cinco anos atrás, na de hoje – Disse o rei, apontando para o gigante logo atrás dele

 

se ele não tivesse derrubado aquele usurpador de tronos, aquele demônio, hoje ainda viveríamos nas trevas e nada poderia ser feito quanto a isso, continuaríamos , dia e noite, no choro e no lamento, vendo os jovens morrerem em uma batalha sem fim, e as crianças, mulheres e os idosos, morrerem de fome e de doenças. Assim, não há agradecimento que baste, nem palavra que realmente atinja a gratidão que sinto. – Disse o Rei, com um tom emocionado na voz

 

Meus irmãos conheçam Ársên, o guerreiro dragão, o homem que salvou todos os vivos e até mesmo aqueles que ainda não viviam, eu peço uma salva de palmas! – Finalizou O Rei, batendo palmas, logo seguido pela multidão, gerando um som altíssimo de palmas pelo ar.

 

Após a ovação, o guerreiro Ársên se dirigiu ao centro do palanque, onde antes esteve o Rei, com um andar lento, e seguido pelo som das pesadas passadas de sua grande armadura chocando-se contra o chão, foi seguido pelos olhos de todos ali, passo a passo, até chegar ao local onde encontrava-se o rei, e inicio seu discurso ao povo.

 

Boa noite povo de Uruk, como seu bom rei lhes falou, eu sou o guerreiro dragão, como o das lendas, e sim, eu derrubei Ógko, o mago negro, eu mesmo finquei-lhe essa espada no coração- disse ele retirando a enorme arma das costas e levantando-a para que todo o público a admirasse, Ársên não deve ter percebido, mas a simples menção do nome do mago, fez muito olharem arrepiados, pois em apenas cinco anos ainda não foi possível ao povo esquecer a dor e o sofrimento pelo qual passaram.

 

O maldito mago tentou pegar-me de todas as formas, mas falhou ruidosamente, pois sou eu o guerreiro mais forte de todo o mundo livre – Bradou ele, logo em seguida golpeando o ar, gerando uma forte onda de vento na direção do público.

 

O povo foi à loucura, gritos de incentivo e agradecimento podiam ser ouvidos por toda a cidade de tão altos que eram. O povo estava excitado tanto com o fato de conhecerem seu salvador, destruidor do mal em pessoa, quanto pelo momento, pela figura imponente que ali se encontrava, com sua armadura reluzente e seu elmo em forma de cabeça de dragão, e pela demonstração de sua força aterradora.

 

 

Ággelo estava estranhamente enfurecido, havia uma chama em seus olhos que Hôsanná nunca tinha visto em cinco anos de convivência, ele apertava os dedos, como que pronto a esmurrar alguém, mas conteve-se e contentou-se de olhar o gigante guerreiro ao longe, ainda com cara de poucos amigos. O jovem que antes estava nos ombros do “pai” agora estava, com uso de uma vareta fina como o dedo de um homem adulto, derrubando os alforjes de algumas desavisados, vidrados no palco, distraídos demais para perceber que o pequeno gatuno lhes levava o ouro, Ággelo vendo a cena não pode deixar de rir, com a figura caricata do menino com pose de fantástico ladrão, pensou em correr até ele e lhe repreender, mas sabia que longe daquela ostentação do centro da cidade, havia ainda muita fome e desolação, e que aquele menino devia ter mãe e talvez até irmãos a quem ajudaria com aquele ouro, e preferiu continuar escutando o que dizia Ársên, mas não sem antes mencionar de canto de boca, palavras que Hôsanná entendeu como “Ladrão”.

 

Todos se recordam que a marcha negra, o exercito de malditos, dominava todos os campos de guerra, pois eu sozinho a derrotei, montado em meu Dragão, juntos eu e ele, derrotamos milhares de guerreiros aquele dia, e depois invadimos o castelo do maldito, que era aqui mesmo dentro das muralhas dessa cidade, fui a seu encontro no trono pútrido que ocupava, lhe desafiei, ele tentou fugir, mas persegui-lhe e o matei, e disse-lhe “morre demônio, não mais derramara sangue de inocente nenhum, saibas, no inferno, que quem matou-te foi Ársên, o maior guerreiro dragão que já viveu” e em seguida o levantei acima do chão com minha espada em seu peito- Gritou Ársên, gesticulando com a espada, mostrando como foi a cena

 

Quando o demônio caiu, do chão sairão criaturas negras, como pequenos demônios e o levaram para as profundezas do inferno- finalizou Ársên com ar de invencível e fez pose para o público com os braços no ar

 

Ársên, Ársên, Ársên ! – gritava o povo no centro, todos como que encantados com aquele poderoso guerreiro

Após o fim do enérgico discurso de Ársên as festas recomeçaram, e seguiu-se mais apresentações de diferentes grupos artísticos, ainda antes do fim o rei se pronunciou novamente, indo ao centro do palanque:

 

Bem, amigos de Uruk, não é atoa a presença do ilustre guerreiro dragão neste dia em nossa cidade, de fato, longe disso, ele esta aqui a convite meu, para assumir a posição de líder dos exércitos da cidade, portanto recebam o General Ársên – Disse o Rei Fortis, cedendo o lugar de honra do palanque para o general

 

Ársên, Ársên, Ársên ! – gritou novamente o povo no centro, novamente excitado pela noticia que chegava, de fato, embora vivessem tempos de paz, e nada fosse ruim perto do que fora cinco anos atrás, Uruk não era uma cidade segura, furtos e atentados aconteciam com certa freqüência, pois a parte mais afastada da cidade não usufruía da riqueza da parte central desta, por isso a idéia de ter tão poderoso guerreiro como general, representava um novo ar de que a coisa agora mudaria em relação a esses acontecimentos.

 

O gigante aproximou do centro do palco, então acenou a todos e foi se aproximando cada vez mais da borda do palco, e então, atirou-se de lá em direção ao chão, mas não sem antes descrever uma serie de piruetas no ar, saltar de lá não era um grande desafio em si, a altura não devia passar muito dos dois metros, mas o giro que o gigante descrevia no ar, parecia que este flutuava ligeiramente antes de tocar o chão decidido, e então falou:

 

Povo dessa bela cidade, eu venho aqui a vocês, não como um nobre, mas como um guerreiro, um general, e será no meio de vocês que viverei e os protegerei, portanto acostume-se com minha presença e sem medo e.... – parou repentinamente de falar o gigante Ársên

 

Aonde esta meu alforje – Bradou em alto som

 

 

Onde esta? ONDE? Eu mato que ousou tocar em meu ouro – Gritou histérico, longe de sua pose de bom moco, mais parecia possesso.

 

Você?VOCE? Seu ladrãozinho eu te mato! Ouve-me bem eu TE MATO! – e saiu em disparada em direção ao pequeno garoto que antes havia subido no ombro do “Pai”

 

Pega! Cão imundo! – Bradou a plenos pulmões golpeando o ar com um violento movimento de seu punho, todos se afastaram do local, assustadíssimos, mas não longe o bastante para que perdessem a visão do espetáculo que se seguiria.

 

Não mesmo senhor! – Gritou o “pai” com um tom muito mais forte do que o que usava normalmente, havia se colocado entre o gigante e o garoto, alias, perto do pai o gigante passou a parecer comum, absorveu completamente o poderoso golpe, o atingiu a altura das costas, mas não sem antes arrastá-lo alguns centímetros para trás, tamanha a força daquele impacto, tinha agora o garoto envolvido em suas mãos.

 

Mas hora! quem ousa? quem és tu plebeu? Com que autoridade ousa impedir-me de aplicar justo castigo a um criminoso? – Bradou Ársên com os olhos vermelhos enfurecido

 

Sou um cidadão de Uruk, que não permitirá que ninguém, seja lá quem for, atente contra a vida de uma criança inocente, que comete um erro para alimentar a família em necessidade - Disse o “pai” levantando-se em frente ao gigante e mostrando-lhe que gigante ali era ele.

 

Meu deus do céu! oh meu deus do céu! – Gritou Hôsanná em desespero

 

Ele vai matá-lo Ággelo, vai matá-lo, ajuda ele, ajudaaaaa! – disse em tom de desespero, mas quando se virou para olhar para o jovem, este não estava mais ali. Hôsanná enfureceu-se com Ággelo, como se a culpa da situação do “pai” fosse do próprio. Olhou então novamente para o local do conflito entre Ársên e o “pai”, este discutiam ruidosamente, então Ársên bradou:

 

Chega, cão! sai da frente e perdoarei seu feito, tendo em vista que visava proteger a criança, mas onde tu vês uma criança eu vejo um ladrão, e como ladrão será tratado

 

Se ele é um ladrão, então sou seu guarda-costas, o castigo dele será, também, o meu castigo- disse o “pai” jogando o garoto alguns metros atrás de si e tomando posição de luta

 

Então que assim o seja! que todos testemunhem que fui justo e magnânimo, como esperado de um nobre general como eu – Bradou Ársên em tom de discurso para que todos ouvissem, em uma de suas poses de vitoria com os braços erguidos, virou-se então para o pai e avançou rápido como um raio em direção dele. Golpeou-lhe visando a face, mas o “pai” bloqueou com os braços, um imenso bolo roxo subiu do braço do pai, o golpe fora potentíssimo, mas não se poderia perceber o menor sinal de dor na face do “pai”, de tão compenetrado que estava.

 

Arrastado quase um metro pra trás pelo poderoso golpe de Ársên, o “pai” saltou magníficos dois metros de altura, que somados ao seu tamanho descomunal, fizeram certamente que muitos na multidão acreditassem que ele levantara voou, desceu com os dois pés visando a cabeça de Ársên, mas esse ainda mais rápido desviou-se por um triz, e o golpe do “pai” fez um grande estrondo e quebrou o chão, como se ali tivesse caído uma pesadíssima rocha. Ársên afastou alguns metros e novamente investiu contra o “pai”, este tentou esquivar-se, mas foi atingido em cheio na face, e desnorteado baixou à guarda, Ársên então lhe golpeou diversas vezes visando seus rosto, mas também o ventre, atingindo, por certo, pontos vitais para aumentar o dano causado. Após deliciar-se com uma saraivada de golpes, parou de repente e afastou-se de sua vítima, como que para apreciar o resultado da investida.

O “pai” tinha hematomas por todo o rosto, agora desfigurado, certamente seu ventre não estaria em estado melhor, mas mantinha-se de pé, e em posição de luta. Ársên por um momento surpreendeu-se com a cena, estava certo que o inimigo cairia, senão morto, no mínimo desacordado e em estado grave, olhou furiosamente para o pai, levantou sua espada, que mais parecia um longo tronco de árvore e disse:

 

És muito forte para um cão, vou matar-te então com a mesma espada que matei o demônio, vou cortar-te em dois e dar-te aos cães, ou quem sabe para os pobres ladrões esfomeados que tu morreste protegendo, alias para os outros, pois este morrerá logo em seguida – Disse, apontando para a pobre criança tremula, logo atrás do “pai”.

 

Vai ter que me matar antes disso seu maldito assassino – Gritou o “pai” com a voz engasgada pelos inchaços em seu rosto e pelo sangue, que agora escorria pela sua face suavemente.

 

Minha intenção não era outra senão essa! – disse Ársên movendo-se rapidamente em direção de sua vítima, e desferindo um golpe fortíssimo, e por um segundo, a espada gigante pareceu desaparecer completamente, e então ouviu-se um poderoso estrondo, e o pai foi arremessado muitos metros em direção a parede de uma das construções que circundavam a praça, parecia seriamente machucado, mas ainda estava inteiro, ainda era um só, para indignação de seu violento oponente, que olhando para ele ao longe gritou:

 

HAHA , muito bom, muito bom, conseguiu mover-se a tempo de proteger-se de meu golpe, e ainda tentaste paralisá-lo segurando os dois lado de minha espada, um feito magnífico de fato, seguramente daria um forte guerreiro, após matar essa ladrão dar-te-ei a chance de ser meu servo e obedecer a minhas ordens – disse em tom alto suficiente para que o pai caído a alguns poucos metros pudesse ouvi-lo, mas este não pode fazê-lo, devido aos danos estava desacordado, Ársên virou-se para a pobre criança que estava perto do local onde caíra o pai, o pobre coitado tremia e chorava, já havia derrubado o pequeno graveto que usara para roubar o alforje de Ársên, derrubará até mesmo o fruto de seu roubo, uma vez que este não mais importava, estava agora apegado somente a sua vida, e achava que a perderia nos próximos segundos.

 

Ársên saltou alto, muito alto, e rápido com um raio na direção do pequeno garoto, desferindo um forte golpe de cima para baixo, visando cortar o pobre em dois, ou talvez com tamanha força, não sobrasse nem mesmo dois pedaços distintos da pobre criança, nesse momento todo o público se calou, a multidão estava seguramente hipnotizada pela cena, mas longe da excitação que a luta de Ársên com o “pai” havia lhes proporcionado, estavam agora todos bestificados, divididos entre o medo e a indignação, diante da cena do “salvador do mundo” visando sua espada para matar uma criança de rua.

 

Toda a investida, desde o salto, até o impacto, não deveria ter demorado mais que dois ou três segundos, de tão rápido e terrível que era ÁRSÊN, o guerreiro dragão, suposto salvador do mundo livre, das garras de Ógko, o mago negro. No entanto o tempo parecia ter parado naquele momento, pareceu que o guerreiro jamais chegaria ao chão, pareceu que todos os corações que olhavam à cena, indignados, estavam parados, pareceu que o destino do garoto estava traçado, certamente pareceu que o castigo havia sido aplicado, mas ao invés do impacto fortíssimo que todos esperavam, ao invés do sangue espalhado por todos os lados, ao invés de talvez um ignóbil grito da pobre vítima antes de seu fim frágil, ao invés de tudo isso, nada se ouviu, Ársên atingira seu objetivo, pensaram todos, estava lá, ocupando agora o local bem em frente onde o jovem estava, porque então não se ouviu nenhum som, por que a poderosa espada não desferiu seu som gutural? Ársên não se movia, de onde estavam os espectadores, só era possível vê-lo de costas, imóvel, nada dizia, nada fazia, parado como se fosse também ele uma estátua, como a do grande rei do passado no centro daquela mesma praça.

 

A multidão moveu-se na direção de Ársên, todos querendo ver o que tinha acontecido cegos por sua excitação e curiosidade, já haviam esquecido o perigo de estar ali, esqueceram até a indignação com o ato assassino do General. Aproximaram-se mais, então foi possível ver, a cena fantástica que se passava, jamais havia passado pela cabeça, nem do mais sonhador daqueles, que Ársên, de fato, não atingirá seu objetivo, não, entre ele e seu alvo, o pobre garoto ladrão, havia um homem de vestes simples, mais parecia um mendigo, não estivessem as vetes tão limpas, o homem trazia na mão o graveto que o garoto usara para roubar Ársên, o jovem era ninguém menos que Ággelo. Fantasticamente, magicamente, absurdamente, ele havia, de alguma forma milagrosa, impedido o golpe avassalador da espada de Ársên, golpe este capaz de arremessar o corpanzil gigante do “pai” muitos metros de distância, e o mais fantástico, havia usado para seu feito, não uma arma, mas o frágil graveto de madeira que o garoto antes trazia em suas mãos. Ársên olhava bestificado a cena, estava em silencio por um tempo próximo a um minuto, finalmente saiu do choque, olhou Ággelo nos olhos e falou:

 

Quem? Quem és tu Bruxo? Quem és tu demônio? Quem debaixo desse céu pode fazer isso? Quem pode parar um golpe desses com um frágil graveto de madeira? Não , não , ninguém pode fazê-lo, usou algum truque , usou? Não usou?

 

Ársên foi tirado da confusão mental, pelo movimento simples e rápido do graveto na mão de Ággelo, esse o moveu como se devolvendo uma espada para a bainha, em sua cintura, e a espada de Ársên, que ainda estava encostada a esse, foi arremessada alguns metros de distância, Ággelo olhou para o apavorado Ársên e disse:

 

Muitos são os homens debaixo desse céu que podem parar teu golpe, muito são eles, como muito são os assassinos dispostos a matarem crianças. Ademais quem julga que és para condená-lo por roubo, logo tu que é igualmente ladrão! – Bradou Ággelo com uma voz que não parecia vir dele, parecia serena, mas ao mesmo tempo forte, como um pai que, com autoridade, fala a um filho

 

Ladrão? Como? Como ladrão? Quem é você? – Disse Ársên com a voz tremula, como que pego de surpresa

 

Capitulo 1 – O Guerreiro Dragão

 

Diante das luzes espalhadas por toda a cidade e da beleza que se vê pelas ruas, todas extremamente enfeitadas, jamais alguém acreditaria que essa cidade era aquela mesma daquele dia fatídico em que o mago negro caiu, logo ali, próximo desse local, naquela irreconhecível Uruk, agora cheia de vida e de cor, naquele dia era negra e vermelha do sangue dos inocentes mortos. Alias só não acreditaria quem teve a sorte de não vê-la, naqueles dias, quando ainda abrigava o trono daquele que se foi, e que se o mundo permitir jamais tornara a andar entre os vivos.

 

A imagem tão dissonante do hoje, com o passado, cinco anos atrás somente, longe de entristecer Ággelo, o deixava muito feliz, gostava de vê-la, vê que o mundo havia se reerguido, que a vida novamente aflorou mesmo depois de tudo que aconteceu. Reforçava sempre em sua mente a idéia da impermanência das coisas, que mesmo a pior das situações porventura sempre a de mudar, e o ciclo continuara sem fim, mesmo quando ele próprio não for mais do que um lembrança em um tempo já a muito esquecido, isso lhe dava forças para lutar e crescer sempre mesmo quando....

 

Ággelo for despertado de seu devaneio pelos gritos enfurecidos da bela Hôsanná, garçonete da taberna em que o mesmo trabalha a mais famosa de toda a região, o ninho da coruja.

 

Ággelooooo , de novo olhando para o nada? Até parece que não tens trabalho pra fazer! Sabes bem que depois da festa de hoje a noite a taberna vai encher até não caber mais ninguém, e que tu deves pintar toda a frente e depois limpar toda a área!! Se o “Pai” te pega vagabundiando ele te mata! – Gritou Hôsanná enquanto puxava Ággelo pelas orelhas

 

Visto desse ângulo, e pela aparência jovial de Ággelo, poderia pensar-se tratar de um jovem casal de namorados, Hôsanná com não mais que seus 20 anos, e Ággelo aparentando talvez até menos idade que ela, no entanto a idade de Ággelo era desconhecida de todos ali, Hôsanná bem sabia que ele era mais velho que ela, pois quando o mesmo veio morar e trabalhar na taverna quando ela ainda era apenas menina, com 15 anos, ele já aparentava ser exatamente como hoje é, estranhamente, do ponto de vista dela, jamais envelhecera um dia sequer.

 

Larga-me , largaaaa – Disse Ággelo , com misto de riso e seriedade

 

Já vou Hôsanná, sei o que tenho de fazer ta! – colocou ele, se desprendendo do puxão da moça

 

Sabes é? Sabes mas não faz não é? Pelo menos não antes de eu te ameaçar, toda vez, o que te é tão interessante no meio da rua, rua é rua, não te entendo , passa horas olhando para rua como se fosse algo interessante, cuida e vai trabalhar! – Bradou Hôsanná

 

Já vou , já vou! – Colocou Ággelo já saindo em direção ao deposito para pegar as ferramentas de pintura

 

A taverna “o ninho da coruja” era muitíssimo freqüentada, todo tempo um entra e sai de pessoas, sejam as da cidade, ou os viajantes, ela tinha desde clientes fiéis até jovens curiosos que agora saindo das fraldas procuravam ver as belas mulheres que lá trabalhavam. Embora todas as atendentes do lugar fossem mulheres, todas muito belas, poucos eram os que atentavam contra elas, sejam em palavras ou com gestos, isso porque todos conheciam o dono do lugar, o homem conhecido como o “Pai”.

 

O “Pai” devia ter, se pouco, dois metros e meio de altura, e o que tinha de alto, tinha também de forte, lembrava mais um grande urso, e metia muito medo e respeito nos freqüentadores do local, mas embora ele realmente jogasse alguns fregueses janela a fora, às vezes, quando ousavam mexer com suas meninas, o que as pessoas de fora da taverna não sabiam, é que ele na verdade tinha um grande coração, realmente um homem bondoso e gentil, Ággelo sabia que a pessoa mais temível do local era na verdade a filha do taberneiro, a jovem Hôsanná, essa sim era feroz como só um animal selvagem poderia ser, embora Ággelo a quisesse bem como a uma irmã.

 

Isso mesmo Ággelo, faz direito , não quero ver nenhuma mancha de tinta no chão! - Bradou Hôsanná com sua voz zangada

 

Não faz meu pai se arrepender de te acolher aquele dia , cinco anos atrás hein! – colocou ela, se retirando para o interior da taverna

 

Havia todo um clima diferente em Uruk hoje, talvez pela data, ou talvez pelo tal visitante que a cidade iria receber, difícil dizer, mas a cidade parecia ainda mais viva do que já era normalmente, o fluxo de pessoas era intensa, alem também das diferentes classes, cores e raças. Havia desde homens de alta classe, em seus comboios carregados por escravos, até magos com vestes sujas como quem nunca viu sabão, a gnomos com barris de cerveja e até pode-se ver de relance elfos com seus magníficos arcos, na certa a serviço de algum rei.

 

Nos dias que se seguiram a queda do mago negro era difícil ver ainda algum elfo, se eles ainda existiam era difícil dizer, talvez alguns poucos a beira da extinção, ou mesmo muitos em alguma de suas cidades reclusas no meio das florestas mais densas. No entanto, só podia-se afirmar que alguns eram vistos esporadicamente naquela cidade, mas sem jamais se ater com bobagens ou mesmo parar em alguma taberna, a divertir-se, pareciam sempre em alguma missão importantíssima.

 

São uns arrogantes, esses elfos , isso que são ! Afirmou Hôsanná com convicção ao ver que Ággelo os observava ao longe

 

Terminaste teu serviço ?- perguntou ela

 

Sim, já terminei, já limpei, e já guardei, e sobre os elfos nada sei – riu Ággelo imitando a pose seria de Hôsanná

 

Hum, parece que pelo menos quando fazes o serviço, sabes realmente fazer, a pintura ficou belíssima como sempre, não sei de onde tu tira a inspiração para esses teus desenhos – disse ela com sinceridade, olhando a pintura de Ággelo, que retratava a batalha de dois dragões sobe o gelo, era tão detalhada que parecia mais ter vida própria, não seria surpresa se eles pulassem para fora e continuassem a terrível batalha lá mesmo, pensou ela, de tão real que a pintura parecia.

 

Ággelo deu de ombros e entrou na taverna, encontro-se, logo que entrou, com o gigante urso que todos chamavam de o “Pai”

 

Yup, bom dia “pai”! – disse Ággelo

 

Dia! – disse o gigante com uma voz gentil

 

Terminaste a pintura que te pedi? Lembra-se que hoje é noite de casa cheia, Põe os archotes em torno da frente pra iluminar bem a arte- colocou o “Pai”

 

Terminei sim, e já deixei os archotes de prontidão à espera da noite – respondeu Ággelo

 

Muito bom, muito bom – disse o pai se dirigindo ao centro do salão da taverna

 

Boa tarde meus amigos! – disse se voltando as pessoas que já enchiam parcialmente a taverna mesmo sendo ainda cedo da tarde

 

Como todos devem saber, hoje a noite teremos a comemoração da libertação do mundo do julgo daquele que vocês bem sabem, o destruidor, e não só isso, hoje teremos a honra de receber também aquele que nos salvou- disse o pai com a voz solene de discurso

 

Será uma honra para muitos, incluindo eu, conhecer finalmente o famoso salvador do nosso mundo, o guerreiro dragão – finalizou ele ainda mais formal, parecia ter uma diminuta lagrima escorrendo daquela face gigante

 

Peço, então, que estejamos todos nos presentes na praça do centro, logo ao cair da noite para recebê-lo e honrá-lo como se deve! – finalizou o “pai” se retirando para os fundos da taverna

 

Ággelo olhava a cena com um olhar abobalhado, pensando em como seriam esse tal “Herói” e como seria a parada que acompanharia sua chegada, antes porém que pudesse pôr-se a imaginá-la foi interrompido pelos murmúrios de diversas conversas nas mesas do bar

 

Até onde sei, ninguém sabe quem realmente é esse guerreiro – disse um anão em um canto da mesa para outro guerreiro de aspecto sujo ao seu lado

 

Pelo que ouvi falar ele é um semi-deus, guerreiro imortal e invencível- colocou o guerreiro sujo, com ar de solenidade, como quem fala de algo santo.

 

Bobagem- bradou o anão

 

Se fosse tão poderoso por que demorara longos vinte anos para derrubar o tirano que oprimia todo o povo do mundo livre? Por que permitira todo aquele derramamento de sangue? – finalizou ele, visivelmente enfurecido

 

Conversas semelhantes a estas davam-se por todas as mesas, pois de fato, tudo que sabia-se acerca disso, era que há cinco anos, naquela mesmíssima cidade, então conhecida como Limina, a cidade maldita, o mago negro foi morto e seu castelo destruído, concluindo o seu reinado de terror. Mas parecia que ninguém sabia mais que isso, de forma que surgiram os mais distintos folclores em torno do evento, desde a vitória do lendário guerreiro dragão sobre o destruidor, até versões aonde o mesmo arrependera-se e tornará-se um monge, sendo que esta ultima era a menos crível, tendo em vista o terrível homem que o mago era e tudo que fez.

 

Mesmo que ninguém soubesse bem quem havia finalizado aquela batalha, o fato e que ninguém ousaria perder a chance de descobrir e ver esse famoso guerreiro pessoalmente, e ninguém que pudesse mover-se naquele dia, perderia a tal comemoração, de forma que quando a noite caiu, a cidade inteira parecia estar presente no centro, uma grande praça com uma estátua de algum rei famoso, de um passado já muito distante que fora recuperada e recolocada no centro, o tal rei era de fato imponente e bonito, segurando na mão uma espada longa, quase do tamanho de uma lança. Atenção de Ággelo foi atraída para o céu, onde explodiam ruidosamente fogos de todas as cores e tipos, um espetáculo ainda mais bonito que o do ano anterior, foi ouvido o som de trompas ao fim dos fogos, anunciando a aproximação da comitiva real e do famoso herói que ninguém sabia quem era.

 

Você ouviu as trompas, eles já vão entrar lá naquele portão – apontou Hôsanná para a maior entrada das muralhas da cidade que estava aberta, excitada com todo o movimento e ansiosa para ver tudo.

 

Ra Ra Ra – ria animadamente o “Pai” pondo um jovem garoto que tentava ver alem da multidão, saltitando em vão, em seu ombro para que pudesse enxergar acima desta.

 

Vem cá, aqui tu poderá ver tudo pivete – disse o “pai” com sua voz gentil e sorrindo

 

Ta-ta – respondeu o garoto, pálido, com medo da gigante figura. Mas uma vez no ombro do “pai” esqueceu-se de tudo para observar a grande parada que se iniciou.

 

Milhares de pessoas vestidas das maneiras mais diferentes começaram a entrar pelo portão, algo como um show de acrobacias e malabares se seguiu, deviam ser de terras distantes, pois se vestiam e tinha traços muito diferentes das pessoas de Uruk, a procissão se seguiu alternando as mais diversas atrações, animais selvagens, artistas performáticas, danças de diversos tipos, danças essas que tinham mulheres que moviam-se de maneira muito diferente das de lá, usando vestes esvoaçantes e muitos lenços, que retiravam aos poucos.

 

Após algo em torno de trinta minutos foi possível ver ao longe o fim daquela corrente de pessoas, ao final de tudo vinha uma grande comitiva de guardas, todos vestidos em uniformes de gala e armaduras decorativas, eles flanqueavam um grupo no centro por todas as direções, protegendo-os de uma eventual ameaça. Estava claro que no centro daquela comitiva viria o rei de Uruk, Fortis, ultimo herdeiro do trono, trono este o qual fora deposto seu pai, ainda na época da grande guerra, por Ógko, na invasão a cidade já há mais dez anos atrás, seu pai faleceu antes de ver a luz de um novo tempo, e ele líder de um dos exércitos rebeldes viveu para retomar o trono após a queda do império negro.

 

Ággelo forçou a vista, e conseguiu discernir, logo ao lado do rei, um homem grande e robusto, luzindo em uma armadura, a que tudo indicava, totalmente de ouro e ornamentos. O homem era grande, tinha uns dois metros de altura, e a armadura o engrandecia ainda mais, não era possível ver seu rosto, pois trazia na face um grande elmo em forma de dragão, com olhos de rubi, e nas costas uma grande espada, quase do tamanho do mesmo, e da largura da cabeça de um homem adulto.

 

Até aquele momento, Ággelo vinha rindo e se divertindo muito, mas a visão ao longe, daquele homem pareceu, levar-lhe embora o bom humor, Hôsanná logo percebeu:

 

O que se passa Ággelo? Por que essa cara feia? – inquiriu ela em tom de interrogatório

 

Não, não é nada – respondeu ele, sem muita convicção

 

O que se passa crianças? Por Que não estão aproveitando a festa? O rei já vai subir no grande palanque com o guerreiro dragão vejam – disse o “pai” com seu tom habitual

 

Era verdade, a comitiva já havia chegado até lá, o rei e as demais autoridades com ele , estavam agora se posicionando sobre um grande palanque no centro da praça, que fazia às vezes tanto de lugar de honra, quanto de palco, logo em frente onde se davam as apresentações de outras comitivas de artistas contratadas pelo rei para animar o evento. Ao lado do rei encontrava-se o gigante guerreiro dragão, suposto salvador do mundo.

 

As festas se seguiram com as mais diversas apresentações de trupes de artistas de todas as partes do mundo livre. Sem que ninguém reparasse o jovem garoto, que descerá das costas do “pai”, e já havia sumido no meio das pessoas, na certa para aproximar-se mais do evento, o que decidiu fazer também os jovens ali reunidos.

 

Vamos chegar mais perto do palco – Chamou Hôsanná

 

Ho Ho , vamos. Vamos sim, minha querida – Respondeu animado o “pai”

 

Ággelo nada disse, mas se aproximou com os demais, estava anormalmente introspectivo, ainda mais do que o habitual, não tirava os olhos do tal guerreiro, e de sua espada gigantesca. Hôsanná desconfiada perguntou:

 

Ággelo, você conhece aquele senhor? Você esta estranho não tira os olhos dele, por que?

 

Não, não conheço não – Respondeu Ággelo com pouca convicção

 

Estou apenas avaliando ele, errr, vendo se é possível mesmo alguém como ele ter salvo todos – Disse tentando justificar-se

 

Hum, ele parece muito forte, tem uma linda armadura em forma de dragão, e uma espada que parece matar um dragão com um único golpe – disse Hôsanná decidida

 

Hum, você nunca viu um dragão Hôsanná não sabe do que é capaz! – disse Ággelo com claro aborrecimento no rosto

 

E você já viu não é espertalhão ? – inquiriu Hôsanná

 

Não. Não. Claro que não, como poderia ter visto? Não diga bobagens! – Disse Ággelo tentando se justificar

 

Dragões é um ser místico, e extremamente poderoso, logo não pode ser derrotado por um único golpe de espada, sua tola, nem por muitos! – disse com um tom que não lhe era habitual

 

E como você pode saber disso? Se você e só um pintor que não tem aonde cair morto – colocou Hôsanná com tom zombeteiro

 

Você esta é com inveja, isso e despeito, porque você não chega aos pés de um homem como aquele! – disse Hôsanná, tentando provocar ainda mais Ággelo

 

Esse apenas deu de ombros, aquela conversa estava encerrada. As apresentações se seguiram até o momento que o rei levantou-se no palanque e iniciou o habitual discurso da comemoração daquele dia celebre:

 

Boa noite irmãos e irmãs de Uruk é com prazer que venho aqui essa noite lhes falar mais uma vez! – Disse o Rei, iniciando seu habitual discurso anual

 

Apontar o quanto a vida tem melhorado a cada ano desde o fim daquela guerra sem sentido, é desnecessário, para ver a melhora basta abrir os olhos. Para lhes falar o quanto crescemos, o quanto a cidade se desenvolveu, tudo isso vocês, o meu povo, já sabe e vive todos os dias. – Apontou o Rei com um tom choroso na voz

 

Portanto, o que eu gostaria mesmo de lhes falar é, que pela primeira vez nessa grande festa anual, teremos a chance de ver de perto, e agradecer, a esse homem, que foi responsável por tudo isso, por transformar a Uruk de cinco anos atrás, na de hoje – Disse o rei, apontando para o gigante logo atrás dele

 

se ele não tivesse derrubado aquele usurpador de tronos, aquele demônio, hoje ainda viveríamos nas trevas e nada poderia ser feito quanto a isso, continuaríamos , dia e noite, no choro e no lamento, vendo os jovens morrerem em uma batalha sem fim, e as crianças, mulheres e os idosos, morrerem de fome e de doenças. Assim, não há agradecimento que baste, nem palavra que realmente atinja a gratidão que sinto. – Disse o Rei, com um tom emocionado na voz

 

Meus irmãos conheçam Ársên, o guerreiro dragão, o homem que salvou todos os vivos e até mesmo aqueles que ainda não viviam, eu peço uma salva de palmas! – Finalizou O Rei, batendo palmas, logo seguido pela multidão, gerando um som altíssimo de palmas pelo ar.

 

Após a ovação, o guerreiro Ársên se dirigiu ao centro do palanque, onde antes esteve o Rei, com um andar lento, e seguido pelo som das pesadas passadas de sua grande armadura chocando-se contra o chão, foi seguido pelos olhos de todos ali, passo a passo, até chegar ao local onde encontrava-se o rei, e inicio seu discurso ao povo.

 

Boa noite povo de Uruk, como seu bom rei lhes falou, eu sou o guerreiro dragão, como o das lendas, e sim, eu derrubei Ógko, o mago negro, eu mesmo finquei-lhe essa espada no coração- disse ele retirando a enorme arma das costas e levantando-a para que todo o público a admirasse, Ársên não deve ter percebido, mas a simples menção do nome do mago, fez muito olharem arrepiados, pois em apenas cinco anos ainda não foi possível ao povo esquecer a dor e o sofrimento pelo qual passaram.

 

O maldito mago tentou pegar-me de todas as formas, mas falhou ruidosamente, pois sou eu o guerreiro mais forte de todo o mundo livre – Bradou ele, logo em seguida golpeando o ar, gerando uma forte onda de vento na direção do público.

 

O povo foi à loucura, gritos de incentivo e agradecimento podiam ser ouvidos por toda a cidade de tão altos que eram. O povo estava excitado tanto com o fato de conhecerem seu salvador, destruidor do mal em pessoa, quanto pelo momento, pela figura imponente que ali se encontrava, com sua armadura reluzente e seu elmo em forma de cabeça de dragão, e pela demonstração de sua força aterradora.

 

 

Ággelo estava estranhamente enfurecido, havia uma chama em seus olhos que Hôsanná nunca tinha visto em cinco anos de convivência, ele apertava os dedos, como que pronto a esmurrar alguém, mas conteve-se e contentou-se de olhar o gigante guerreiro ao longe, ainda com cara de poucos amigos. O jovem que antes estava nos ombros do “pai” agora estava, com uso de uma vareta fina como o dedo de um homem adulto, derrubando os alforjes de algumas desavisados, vidrados no palco, distraídos demais para perceber que o pequeno gatuno lhes levava o ouro, Ággelo vendo a cena não pode deixar de rir, com a figura caricata do menino com pose de fantástico ladrão, pensou em correr até ele e lhe repreender, mas sabia que longe daquela ostentação do centro da cidade, havia ainda muita fome e desolação, e que aquele menino devia ter mãe e talvez até irmãos a quem ajudaria com aquele ouro, e preferiu continuar escutando o que dizia Ársên, mas não sem antes mencionar de canto de boca, palavras que Hôsanná entendeu como “Ladrão”.

 

Todos se recordam que a marcha negra, o exercito de malditos, dominava todos os campos de guerra, pois eu sozinho a derrotei, montado em meu Dragão, juntos eu e ele, derrotamos milhares de guerreiros aquele dia, e depois invadimos o castelo do maldito, que era aqui mesmo dentro das muralhas dessa cidade, fui a seu encontro no trono pútrido que ocupava, lhe desafiei, ele tentou fugir, mas persegui-lhe e o matei, e disse-lhe “morre demônio, não mais derramara sangue de inocente nenhum, saibas, no inferno, que quem matou-te foi Ársên, o maior guerreiro dragão que já viveu” e em seguida o levantei acima do chão com minha espada em seu peito- Gritou Ársên, gesticulando com a espada, mostrando como foi a cena

 

Quando o demônio caiu, do chão sairão criaturas negras, como pequenos demônios e o levaram para as profundezas do inferno- finalizou Ársên com ar de invencível e fez pose para o público com os braços no ar

 

Ársên, Ársên, Ársên ! – gritava o povo no centro, todos como que encantados com aquele poderoso guerreiro

Após o fim do enérgico discurso de Ársên as festas recomeçaram, e seguiu-se mais apresentações de diferentes grupos artísticos, ainda antes do fim o rei se pronunciou novamente, indo ao centro do palanque:

 

Bem, amigos de Uruk, não é atoa a presença do ilustre guerreiro dragão neste dia em nossa cidade, de fato, longe disso, ele esta aqui a convite meu, para assumir a posição de líder dos exércitos da cidade, portanto recebam o General Ársên – Disse o Rei Fortis, cedendo o lugar de honra do palanque para o general

 

Ársên, Ársên, Ársên ! – gritou novamente o povo no centro, novamente excitado pela noticia que chegava, de fato, embora vivessem tempos de paz, e nada fosse ruim perto do que fora cinco anos atrás, Uruk não era uma cidade segura, furtos e atentados aconteciam com certa freqüência, pois a parte mais afastada da cidade não usufruía da riqueza da parte central desta, por isso a idéia de ter tão poderoso guerreiro como general, representava um novo ar de que a coisa agora mudaria em relação a esses acontecimentos.

 

O gigante aproximou do centro do palco, então acenou a todos e foi se aproximando cada vez mais da borda do palco, e então, atirou-se de lá em direção ao chão, mas não sem antes descrever uma serie de piruetas no ar, saltar de lá não era um grande desafio em si, a altura não devia passar muito dos dois metros, mas o giro que o gigante descrevia no ar, parecia que este flutuava ligeiramente antes de tocar o chão decidido, e então falou:

 

Povo dessa bela cidade, eu venho aqui a vocês, não como um nobre, mas como um guerreiro, um general, e será no meio de vocês que viverei e os protegerei, portanto acostume-se com minha presença e sem medo e.... – parou repentinamente de falar o gigante Ársên

 

Aonde esta meu alforje – Bradou em alto som

 

 

Onde esta? ONDE? Eu mato que ousou tocar em meu ouro – Gritou histérico, longe de sua pose de bom moco, mais parecia possesso.

 

Você?VOCE? Seu ladrãozinho eu te mato! Ouve-me bem eu TE MATO! – e saiu em disparada em direção ao pequeno garoto que antes havia subido no ombro do “Pai”

 

Pega! Cão imundo! – Bradou a plenos pulmões golpeando o ar com um violento movimento de seu punho, todos se afastaram do local, assustadíssimos, mas não longe o bastante para que perdessem a visão do espetáculo que se seguiria.

 

Não mesmo senhor! – Gritou o “pai” com um tom muito mais forte do que o que usava normalmente, havia se colocado entre o gigante e o garoto, alias, perto do pai o gigante passou a parecer comum, absorveu completamente o poderoso golpe, o atingiu a altura das costas, mas não sem antes arrastá-lo alguns centímetros para trás, tamanha a força daquele impacto, tinha agora o garoto envolvido em suas mãos.

 

Mas hora! quem ousa? quem és tu plebeu? Com que autoridade ousa impedir-me de aplicar justo castigo a um criminoso? – Bradou Ársên com os olhos vermelhos enfurecido

 

Sou um cidadão de Uruk, que não permitirá que ninguém, seja lá quem for, atente contra a vida de uma criança inocente, que comete um erro para alimentar a família em necessidade - Disse o “pai” levantando-se em frente ao gigante e mostrando-lhe que gigante ali era ele.

 

Meu deus do céu! oh meu deus do céu! – Gritou Hôsanná em desespero

 

Ele vai matá-lo Ággelo, vai matá-lo, ajuda ele, ajudaaaaa! – disse em tom de desespero, mas quando se virou para olhar para o jovem, este não estava mais ali. Hôsanná enfureceu-se com Ággelo, como se a culpa da situação do “pai” fosse do próprio. Olhou então novamente para o local do conflito entre Ársên e o “pai”, este discutiam ruidosamente, então Ársên bradou:

 

Chega, cão! sai da frente e perdoarei seu feito, tendo em vista que visava proteger a criança, mas onde tu vês uma criança eu vejo um ladrão, e como ladrão será tratado

 

Se ele é um ladrão, então sou seu guarda-costas, o castigo dele será, também, o meu castigo- disse o “pai” jogando o garoto alguns metros atrás de si e tomando posição de luta

 

Então que assim o seja! que todos testemunhem que fui justo e magnânimo, como esperado de um nobre general como eu – Bradou Ársên em tom de discurso para que todos ouvissem, em uma de suas poses de vitoria com os braços erguidos, virou-se então para o pai e avançou rápido como um raio em direção dele. Golpeou-lhe visando a face, mas o “pai” bloqueou com os braços, um imenso bolo roxo subiu do braço do pai, o golpe fora potentíssimo, mas não se poderia perceber o menor sinal de dor na face do “pai”, de tão compenetrado que estava.

 

Arrastado quase um metro pra trás pelo poderoso golpe de Ársên, o “pai” saltou magníficos dois metros de altura, que somados ao seu tamanho descomunal, fizeram certamente que muitos na multidão acreditassem que ele levantara voou, desceu com os dois pés visando a cabeça de Ársên, mas esse ainda mais rápido desviou-se por um triz, e o golpe do “pai” fez um grande estrondo e quebrou o chão, como se ali tivesse caído uma pesadíssima rocha. Ársên afastou alguns metros e novamente investiu contra o “pai”, este tentou esquivar-se, mas foi atingido em cheio na face, e desnorteado baixou à guarda, Ársên então lhe golpeou diversas vezes visando seus rosto, mas também o ventre, atingindo, por certo, pontos vitais para aumentar o dano causado. Após deliciar-se com uma saraivada de golpes, parou de repente e afastou-se de sua vítima, como que para apreciar o resultado da investida.

O “pai” tinha hematomas por todo o rosto, agora desfigurado, certamente seu ventre não estaria em estado melhor, mas mantinha-se de pé, e em posição de luta. Ársên por um momento surpreendeu-se com a cena, estava certo que o inimigo cairia, senão morto, no mínimo desacordado e em estado grave, olhou furiosamente para o pai, levantou sua espada, que mais parecia um longo tronco de árvore e disse:

 

És muito forte para um cão, vou matar-te então com a mesma espada que matei o demônio, vou cortar-te em dois e dar-te aos cães, ou quem sabe para os pobres ladrões esfomeados que tu morreste protegendo, alias para os outros, pois este morrerá logo em seguida – Disse, apontando para a pobre criança tremula, logo atrás do “pai”.

 

Vai ter que me matar antes disso seu maldito assassino – Gritou o “pai” com a voz engasgada pelos inchaços em seu rosto e pelo sangue, que agora escorria pela sua face suavemente.

 

Minha intenção não era outra senão essa! – disse Ársên movendo-se rapidamente em direção de sua vítima, e desferindo um golpe fortíssimo, e por um segundo, a espada gigante pareceu desaparecer completamente, e então ouviu-se um poderoso estrondo, e o pai foi arremessado muitos metros em direção a parede de uma das construções que circundavam a praça, parecia seriamente machucado, mas ainda estava inteiro, ainda era um só, para indignação de seu violento oponente, que olhando para ele ao longe gritou:

 

HAHA , muito bom, muito bom, conseguiu mover-se a tempo de proteger-se de meu golpe, e ainda tentaste paralisá-lo segurando os dois lado de minha espada, um feito magnífico de fato, seguramente daria um forte guerreiro, após matar essa ladrão dar-te-ei a chance de ser meu servo e obedecer a minhas ordens – disse em tom alto suficiente para que o pai caído a alguns poucos metros pudesse ouvi-lo, mas este não pode fazê-lo, devido aos danos estava desacordado, Ársên virou-se para a pobre criança que estava perto do local onde caíra o pai, o pobre coitado tremia e chorava, já havia derrubado o pequeno graveto que usara para roubar o alforje de Ársên, derrubará até mesmo o fruto de seu roubo, uma vez que este não mais importava, estava agora apegado somente a sua vida, e achava que a perderia nos próximos segundos.

 

Ársên saltou alto, muito alto, e rápido com um raio na direção do pequeno garoto, desferindo um forte golpe de cima para baixo, visando cortar o pobre em dois, ou talvez com tamanha força, não sobrasse nem mesmo dois pedaços distintos da pobre criança, nesse momento todo o público se calou, a multidão estava seguramente hipnotizada pela cena, mas longe da excitação que a luta de Ársên com o “pai” havia lhes proporcionado, estavam agora todos bestificados, divididos entre o medo e a indignação, diante da cena do “salvador do mundo” visando sua espada para matar uma criança de rua.

 

Toda a investida, desde o salto, até o impacto, não deveria ter demorado mais que dois ou três segundos, de tão rápido e terrível que era ÁRSÊN, o guerreiro dragão, suposto salvador do mundo livre, das garras de Ógko, o mago negro. No entanto o tempo parecia ter parado naquele momento, pareceu que o guerreiro jamais chegaria ao chão, pareceu que todos os corações que olhavam à cena, indignados, estavam parados, pareceu que o destino do garoto estava traçado, certamente pareceu que o castigo havia sido aplicado, mas ao invés do impacto fortíssimo que todos esperavam, ao invés do sangue espalhado por todos os lados, ao invés de talvez um ignóbil grito da pobre vítima antes de seu fim frágil, ao invés de tudo isso, nada se ouviu, Ársên atingira seu objetivo, pensaram todos, estava lá, ocupando agora o local bem em frente onde o jovem estava, porque então não se ouviu nenhum som, por que a poderosa espada não desferiu seu som gutural? Ársên não se movia, de onde estavam os espectadores, só era possível vê-lo de costas, imóvel, nada dizia, nada fazia, parado como se fosse também ele uma estátua, como a do grande rei do passado no centro daquela mesma praça.

 

A multidão moveu-se na direção de Ársên, todos querendo ver o que tinha acontecido cegos por sua excitação e curiosidade, já haviam esquecido o perigo de estar ali, esqueceram até a indignação com o ato assassino do General. Aproximaram-se mais, então foi possível ver, a cena fantástica que se passava, jamais havia passado pela cabeça, nem do mais sonhador daqueles, que Ársên, de fato, não atingirá seu objetivo, não, entre ele e seu alvo, o pobre garoto ladrão, havia um homem de vestes simples, mais parecia um mendigo, não estivessem as vetes tão limpas, o homem trazia na mão o graveto que o garoto usara para roubar Ársên, o jovem era ninguém menos que Ággelo. Fantasticamente, magicamente, absurdamente, ele havia, de alguma forma milagrosa, impedido o golpe avassalador da espada de Ársên, golpe este capaz de arremessar o corpanzil gigante do “pai” muitos metros de distância, e o mais fantástico, havia usado para seu feito, não uma arma, mas o frágil graveto de madeira que o garoto antes trazia em suas mãos. Ársên olhava bestificado a cena, estava em silencio por um tempo próximo a um minuto, finalmente saiu do choque, olhou Ággelo nos olhos e falou:

 

Quem? Quem és tu Bruxo? Quem és tu demônio? Quem debaixo desse céu pode fazer isso? Quem pode parar um golpe desses com um frágil graveto de madeira? Não , não , ninguém pode fazê-lo, usou algum truque , usou? Não usou?

 

Ársên foi tirado da confusão mental, pelo movimento simples e rápido do graveto na mão de Ággelo, esse o moveu como se devolvendo uma espada para a bainha, em sua cintura, e a espada de Ársên, que ainda estava encostada a esse, foi arremessada alguns metros de distância, Ággelo olhou para o apavorado Ársên e disse:

 

Muitos são os homens debaixo desse céu que podem parar teu golpe, muito são eles, como muito são os assassinos dispostos a matarem crianças. Ademais quem julga que és para condená-lo por roubo, logo tu que é igualmente ladrão! – Bradou Ággelo com uma voz que não parecia vir dele, parecia serena, mas ao mesmo tempo forte, como um pai que, com autoridade, fala a um filho

 

Ladrão? Como? Como ladrão? Quem é você? – Disse Ársên com a voz tremula, como que pego de surpresa

 

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